“O Arco-Íris” – Sugestão de leitura

Yasunari Kawabata (1899-1972) foi um proeminente escritor japonês e o primeiro do seu país a ser laureado com o Prémio Nobel da Literatura, em 1968. Conhecido pela sua prosa lírica e profundamente sensível, Kawabata explorou temas como a beleza da natureza, os desejos proibidos e a melancolia, frequentemente influenciados pelas tragédias pessoais que marcaram a sua juventude, incluindo a perda de vários entes queridos (ficou órfão de ambos os pais aos três anos).

Formado pela Universidade Imperial de Tóquio em 1920, Kawabata desempenhou um papel significativo no panorama literário japonês do início do século XX. Em 1921, fundou a revista Xin-Xicho [Pensamento Novo] e, juntamente com Yokomitsu Riichi, criou o jornal literário, Bungei Jidai [Anos Literários]. Por intermédio destas publicações, Kawabata impulsionou o movimento Xinkankakuha [Novas Sensações] na literatura, valorizando a arte pura como missão primordial do escritor.

A Casa das Belas Adormecidas e Mil Grous são duas das suas obras inesquecíveis publicadas, em Portugal, pela Dom Quixote, tal como este O Arco-Íris.

É o terceiro livro de autores japoneses que li num mês e a comparação é impossível. E não é só pela qualidade da tradução (aqui, a partir da versão inglesa, por Francisco Agarez). Com Yasunari Kawabata, a urdidura da escrita tem um propósito. Não há palavras ao acaso, não há palavras a mais. Não há explicações.

A prosa poética de Kawabata em O Arco-Íris é marcada pela elegância e sensibilidade lírica que transmitem emoções profundas sem recorrer a excessos verbais. Cada palavra parece meticulosamente escolhida, criando uma atmosfera de contemplação, mesmo quando trata de questões sombrias e dolorosas. As descrições profundas e sentidas de um tempo e espaço são de tal modo vívidas que o leitor é transportado para o pós-guerra do Japão, para a serenidade de um povo que ultrapassa, em silêncio, os traumas insidiosos de uma época sombria.

Publicado originalmente em 1951, sob o título Niji Ikutabi, O Arco-Íris é um exemplo do talento de Kawabata para tecer narrativas que combinam uma simplicidade aparente com a profundidade emocional.

A história centra-se na vida de três irmãs, filhas do arquitecto Mizuhara, todas nascidas de mães diferentes. A narrativa, estruturada em capítulos que podem ser lidos como contos independentes, explora as intricadas relações familiares e pessoais no contexto do Japão pós-Segunda Guerra Mundial, um período marcado por mudanças sociais profundas e reconstrução nacional. A tradição é questionada e alvo de reflexão, sendo percebida como uma forma de mimetismo e imitação.

É um mimetismo quando seguimos as últimas tendências, mas também é um mimetismo quando nos deixamos acorrentar pela tradição ou pela convenção. É uma coisa a que não podemos fugir. Se bem que haja quem diga que a imitação diminui o valor da beleza” (p. 86).

Asako, a segunda filha, está obcecada por encontrar uma terceira irmã. Impulsionada por um encontro fortuito num comboio entre Tóquio e Quioto, embarca numa jornada em busca da sua irmã desconhecida.

A presença constante do pai, que esconde a existência dessa filha – Wakako, gueixa em Quioto –, adiciona uma camada de mistério e tensão à narrativa. Esta procura é também simbólica, representando, quiçá, o desejo de reconstruir laços de família fragmentados e de encontrar a sua identidade num mundo em transformação.

Momoko, a filha mais velha, é retratada como uma personagem atormentada. Assombrada pela perda do seu namorado durante a guerra e pela morte da sua mãe por suicídio, Momoko envolve-se em relações auto-destrutivas que reflectem a sua luta interior.

Com estas personagens, Kawabata explora temas universais como o luto, a culpa, o amor e a identidade. As descrições vívidas e poéticas resgatam a impermanência e a fragilidade da existência humana, frequentemente simbolizadas pela mudança das estações e pelas paisagens naturais que servem de pano de fundo à narrativa.

Esta obra é um convite à leitura introspectiva e contemplativa, algo essencial num mundo frenético que parece aproximar-se vertiginosamente do caos, quem sabe em direcção ao arco-íris da esperança – por uma humanidade mais humana (e pacífica).

Se nos esforçarmos por não empurrar os nossos entes queridos para o inferno acabamos nós por cair nele. Às vezes dou comigo a pensar que nenhuma das nossas dores, nenhum dos nossos pecados, é completamente original. São uma herança, uma imitação daqueles que nos precederam. Todas as nossas tradições e costumes são herdados dos mortos, não acha?” (pp. 199-200).

Esta recensão foi publicada no Jornal Página Um.

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