4 Autoras que mudaram a vida (política) portuguesa

O Dia Internacional da Mulher foi celebrado pela primeira vez em 1911. Uma iniciativa de Clara Zetkin, advogada dos direitos da mulher e líder do Gabinete da Mulher Alemã para o Partido Social Democrata, que propôs um Dia Internacional da Mulher Global. Ideia, esta, aprovada no congresso internacional das mulheres, na Internacional Socialista, em 1910.

Foi em 1975 que a ONU começou a celebrar o Dia Internacional da Mulher a 8 de março. Em dezembro de 1977, esta data seria oficialmente reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas com a Resolução 32/142.

O objetivo desta data é celebrar os direitos que as mulheres conquistaram até hoje, relembrando o percurso para a igualdade. Um caminho longe de ter um fim, uma vez que persistem inúmeras causas por que lutar e defender, e muitos direitos por se alcançar e cumprir em muitos lugares do mundo, como o direito de votar, a igualdade salarial, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica, ou o acesso à educação.

O tema de 2024, “Investir nas mulheres: Acelerar o progresso”, realça a importância da igualdade de género, da capacitação das mulheres e meninas, e dos seus direitos a vidas mais saudáveis.

Em Portugal também há muito a fazer; basta observar o que se passa em cada setor da vida laboral, ou no panorama político. No dia 10 temos oportunidade de exercer o direito a votar, mas isso só possível graças à luta de muitas mulheres.

Para este texto, foram selecionadas quatro políticas e ativistas portuguesas, que também foram escritoras – honremos a sua luta e continuemos a defender o direito à igualdade e justiça social que ainda estão longe do ideal.

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1. Ana de Castro Osório (1872-1935)

Ana de Castro Osório foi uma figura notável na história da luta pelos direitos das mulheres em Portugal. Nascida em 1872, dedicou a sua vida a promover a igualdade de género e a emancipação das mulheres. Como escritora, jornalista e ativista, utilizou a sua voz para desafiar as normas sociais e políticas da época.

Em 1905, escreveu e publicou o primeiro Manifesto feminista português, no qual defendia que homens e mulheres deviam ser aliados, ter igual acesso à escola e ao trabalho e ter os mesmos salários.

Na sua obra, “Às Mulheres Portuguesas“, defendia que a mulher “só no trabalho encontraria a sua carta de alforria, não no trabalho esmagador, exercido como castigo, mas no trabalho que enobrece o espírito”.

A Mulher no Casamento e no Divórcio” é outro legado seu, escrito em 1911. Colaborou com o Ministro da Justiça de então, Afonso Costa, na elaboração da Lei do Divórcio.

Esteve ligada à fundação do Grupo Português de Estudos Feministas, da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e da Associação de Propaganda Feminista (1911).

A alfabetização foi uma das suas grandes preocupações; queria ensinar as letras às mulheres que, no início do século XX, não podiam sequer votar. Saber ler e escrever eram os instrumentos para a mudança. Por isso, abraçou outra causa: criou manuais escolares e editou livros para crianças.

Ana é considerada a mãe da literatura infantil em Portugal

2. Natália Correia (1923-1993)

Natália Correia nasceu nos Açores, em 1923, e foi para Lisboa aos 11 anos, onde fez televisão, foi jornalista, dramaturga e poetisa. Estreou-se na ficção com o romance infantil “Aventuras de um Pequeno Herói”, em 1945.

Na esfera política, Natália Correia foi uma figura proeminente na oposição à ditadura salazarista, defendendo apaixonadamente a liberdade de expressão e os direitos humanos. Participou ativamente na resistência ao regime autoritário, utilizando a sua escrita e a sua eloquência para denunciar as injustiças e os abusos de poder.

Sujeita a julgamento pela sua Antologia de Poesia Erótica, foi condenada a pena suspensa.

A emancipação feminina foi uma das suas principais preocupações, tendo participado em inúmeras iniciativas e debates sobre as diferenças sociais e a falta de representação das mulheres na sociedade. O programa televisivo “Mátria”, de carácter feminista, ou «matricista» como o designava, sublinhava e enaltecia a liberdade íntima da mulher e o seu papel na sociedade.

Organizou várias antologias de poesia portuguesa, nomeadamente, “Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses” e “Antologia da Poesia do Período Barroco”.

Natália Correia foi um dos maiores nomes da luta feminina.

3. Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004)

Nascida em Abrantes, em 1930, Maria de Lourdes Pintasilgo foi uma precursora dos avanços conquistados pelas mulheres, em Portugal. Foi uma de três mulheres no curso de Engenharia Químico-Industrial, numa época em que muito poucas frequentavam o ensino superior.

Foi a primeira mulher a ingressar os quadros técnicos superiores da Companhia União Fabril (CUF).

Durante o Estado Novo, foi convidada por Marcelo Caetano para se candidatar a deputada à Assembleia Nacional, tendo sido a primeira mulher a exercer funções como procuradora à Câmara Corporativa nas duas últimas legislaturas deste órgão, até abril de 1974.

Presidiu ao Grupo de Trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social e à Comissão para a Política Social relativa à Mulher (posteriormente, Comissão da Condição Feminina).

Em 1975, tornou-se embaixadora da ONU para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO.

Foi a primeira mulher primeira-ministra em Portugal, chefiando o Governo de Gestão de 1979 a 1980.

Também foi a primeira mulher a candidatar-se a Presidente da República.

Recebeu inúmeros prémios e foi a primeira mulher a receber a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, em 1981.

De entre as várias obras publicadas, refira-se “As dimensões da mudança” e “Os novos feminismos: interrogação para os cristãos”.

Maria de Lourdes Pintasilgo foi uma das personalidades mais marcantes da vida social, cultural e política portuguesa da segunda metade do século XX, tendo defendido a concretização dos direitos humanos e cívicos em todo o mundo.

4. Maria Odete dos Santos (1941-2023)

Nasceu em 26 de abril de 1941, no concelho da Guarda. Estudou Direito, na Universidade de Lisboa, tornando-se advogada em 1968. Enquanto advogada, trabalhou com mulheres em situações de divórcio, maus-tratos, condições precárias, muitas vezes pro bono.

Fez parte do Conselho Nacional do Movimento Democrático de Mulheres, onde apelou à igualdade de direitos e de condições laborais e à alfabetização.

O combate ao aborto clandestino e a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez foram lutas onde esteve profundamente envolvida. Foi a principal voz do Partido Comunista Português (PCP) na defesa da despenalização do aborto, em 1984, quando foi aprovada a primeira lei, em 1998, no primeiro referendo e, em 2007, quando ganhou o ‘sim’.

Enquanto dirigente partidária e deputada na Assembleia da República pelo PCP, e fora dela, destacou-se nas áreas dos Direitos, Liberdades e Garantias, na defesa dos direitos dos/as trabalhadores/as e dos direitos das mulheres, enfatizando-os igualmente em conferências, debates, artigos publicados e diversas entrevistas. Também foi presidente da Assembleia Municipal da Câmara Municipal de Setúbal até 2018.

Foi atriz amadora, tendo representado Gil Vicente, Edward Albee, Molière, entre outros.

Em 1998, foi agraciada pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

Foi autora de várias obras literárias, das quais se destacam: “Em Maio há cerejas” (2003), e “A Bruxa Hipátia – o cérebro tem sexo?” (2010), e uma antologia de poesia escolhida, com o título “Argamassa dos poemas” (2002).

Assim, o problema feminino é um problema de direitos humanos, que só conhecerão a plena realização com uma verdadeira democracia; não é um problema de seres com cabelos compridos, porque há seres calvos que têm muito menos dentro da cabeça do que as mulheres de cabelos compridos”. Diário da Assembleia da República, I Série, VII legislatura, n.º 30, p. 1123, 19-12-1998

Ora, as mulheres, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tiram hoje cursos, como dantes aprendiam francês e piano para preencher a ociosidade da casa a que estavam remetidas. As mulheres acedem ao conhecimento para, através dele, contribuírem para o progresso que é o melhor esteio dos que lutam contra a discriminação, pela democracia política, económica, social e cultural”. Diário da Assembleia da República, I Série, VII legislatura, n.º 47, p. 1590, 12-03-1998

Maria Odete Santos

Domingo, dia 10, só temos uma opção: votar! Quando mais não seja pelo respeito que estas e tantas outras mulheres nos merecem.

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