Guy de Maupassant nasceu na Normandia, em 1850, e é um dos autores mais célebres da sua época. É a partir de 1880 que se dedica fervorosamente à sua paixão, a escrita, tendo publicado desde então, e até à sua morte, cerca de 300 novelas, seis romances e contos e inúmeras crónicas para jornais.
A sua doença e depressão levam-no a sair de Paris, uma cidade que abomina pela confusão, para passar temporadas na Costa Azul, de França, e viajar pelos países que circundam o mar Mediterrâneo.
Este livro, “A vida errante”, agora publicado pela Tinta da China, resulta dessas mesmas viagens.
A escrita envolvente do autor é, em muitos momentos, a de uma prosa poética, tal a sensibilidade captada e expressa por este observador contemplativo e perscrutador exímio. Os pormenores dos lugares, a descrição e análise dos gestos e comportamentos das pessoas, originados pelos seus contextos, cativam o leitor que gosta de viajar e de conhecer outros lugares, gentes e culturas.
A arquitectura e a decoração são os elementos mais presentes nas suas descrições. As cores exuberantes são decalcadas em cada decoração, transportando o leitor para cada um dos lugares desta viagem, diríamos, pouco errante.
Este livro pode recomendar-se aos autores de blogs de viagens e afins, e a viajantes com intenção de partilharem e publicarem as suas experiências, quer de forma escrita, quer visual. De facto, até para se captarem imagens com história, ou que pretendam contar o fragmento de uma história, é necessário alcançar a peculiaridade de um sítio vivido e habitado.
Nesta obra, Guy de Maupassant observa e partilha as suas cogitações contemplativas durante uma viagem que começa em Paris – justificando, então, por que se tornou insuportável permanecer nessa cidade, cheia de gente.
Durante a viagem de barco, somos conduzidos pelo seu olhar atento, desde o anoitecer em Cannes até ao amanhecer na costa italiana, passando pela Sicília, Argel, Tunes e terminando em Cairuão, outra cidade da Tunísia.
Os parágrafos introdutórios que o autor escreve, aquando da sua chegada à Sicília, parecem ter o propósito de convencer o leitor, futuro viajante, a conhecer esta ilha. A arquitectura e os odores são os argumentos, em particular, quando se demora no quarto onde Richard Wagner terá vivido no último ano da sua vida, em Palermo.
“Mas fui abrir a porta do armário espelhado e um perfume forte e delicioso evolou-se com a carícia de uma brisa que tivesse passado por um roseiral (…). Inspirei aquele hálito a flores, fechado no móvel, esquecido dentro dele, cativo; e pareceu-me, de facto, encontrar qualquer coisa de Wagner nesse sopro que ele amava, um pouco dele, um pouco do seu desejo, um pouco da sua alma, naquele quase nada dos hábitos secretos e queridos que constituem a vida íntima de um homem” (p. 53).
O excerto anterior é apenas um exemplo de como o autor nos conduz ao deleite, para que, também nós, possamos apreciar cada instante percepcionado e vivenciado por Guy de Maupassant.
Enquanto objeto, o livro é uma peça bem conseguida. A encadernação em capa dura e o separador em fio, cosido no livro, é disso demonstrativo. Só um reparo: o mapa colado na folha de guarda e contra-guarda do livro poderia estar mais bem centrado, de maneira a ter a Península Ibérica visível.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.