Desaparecido no ano passado, Javier Marías foi um escritor espanhol que nasceu em Madrid em 1951 e morreu sem o maior reconhecimento literário mundial – o Prémio Nobel –, apesar de integrar a lista de candidatos por várias vezes. Não obstante, prémios não faltam a um dos maiores escritores contemporâneos.
Com efeito, são inúmeros os prémios e distinções para grande parte das suas obras, como por exemplo, Assim começa o mal, Os enamoramentos (Prémio Giuseppe Tomasi di Lampedusa e Prémio Qué Leer), Coração tão branco (Prémio da Crítica, Prix l’Oeil et la Letre e IMPAC Dublin Literary Award), Amanhã na batalha pensa em mim (Prémio Fastenrath, Rómulo Gallegos e Prix Fémina Étranger). Todos estão publicados em Portugal pela Alfaguara.
O autor espanhol ganhou, ainda, diversos prémios pelo conjunto da sua obra, como o Prémio Literário Europeu em 2011. Note-se que Javier Marías chegou a rejeitar o Prémio Nacional (de Espanha) da Literatura em 2012, por considerar não ser da responsabilidade do Estado a atribuição desse tipo de galardão.
Além de escritor, foi professor na Universidade de Oxford e na Universidade Complutense de Madrid. Era membro da Real Academia Espanhola e da Royal Society of Literature, desde 2011. Foi também tradutor, sendo de destacar a sua tradução de Tristram Shandy, de Laurence Sterne, que lhe valeu o Prémio Nacional de Tradução em Espanha em 1979.
Para quem é admirador e leitor habitual de Javier Marías, é provável que esta sua primeira obra de 1971, reeditada em 2007 – e, finalmente, publicada em Portugal pela Alfaguara, com tradução de Ana Maria Pereirinha – seja, para muitos, um mero exercício de escrita, um primeiro romance, quase juvenil, tal é a inocência e dedicação.
Porém, convém referir que este livro foi, à época, um marco pelo afastamento do realismo social de Espanha. Por ser um dos primeiros autores da sua geração a distanciar-se dos temas da ditadura de Franco, Javier Marías gerou algum desconforto, o que lhe terá valido fortes críticas e mesmo censura.
De facto, Marías desloca-se para outros espaços, tempos e realidades. Uma ode ao cinema de Hollywood de então, poder-se-á dizer, dada a manifesta influência que o autor admite ter sentido na Cinémathèque de Henri Langlois, em Paris, para onde fugiu aos 17 anos. Foi nessas salas que passou uma temporada, “o único lugar do mundo em que podia estar em contacto permanente com esse material” (pág. 18).
O que é de salientar é a qualidade da escrita, apesar da juventude do autor – escreveu-o com 17-18 anos (e publicou-o aos 19). A intensidade da narrativa é um vislumbre do que se seguiria. Um livro que pode ser visto como um ponto de partida para ler e conhecer a profunda obra de Javier Marías.
Os domínios do lobo resulta de uma série de histórias que se podem ler isoladamente, mas que estão ligadas entre si, pelo desmoronamento da família Taeger, uma família abastada de Pittsburgh, na Pensilvânia. O livro começa com os primeiros problemas, em 1922, sendo possível compreender alguns dos desenlaces em diversas histórias posteriores.
A estética da tela cinematográfica caminha a par e passo com a crueldade descritiva em alguns momentos, como cruéis foram os tempos da guerra civil estadunidense (ou da Secessão) e da escravatura e da tentativa da sua abolição, entre 1861 e 1865.
Dos cowboys aos gangsters, da Lei Seca até à mulher fatal do cinema mudo, o livro combina o cinema negro com a tragicomédia que provoca, no leitor, um entusiasmo que só um escritor talentoso consegue transmitir.
É, pois, uma leitura recomendada para os amantes do cinema de Hollywood, em particular da sua época áurea. Mas igualmente a todos os leitores que querem conhecer ainda melhor a vasta e excelente obra de um dos autores ibéricos mais reconhecidos.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.