Ao ler determinado tipo de livro e/ou autor, fica-se com a sensação de que há pessoas muito à frente do (e no) seu tempo. Como se tivessem acesso a informações a que a generalidade dos mortais não tem, e provavelmente não quer ter e, diríamos até, tem raiva de quem tem.
Pois bem, este “O homem ilustrado” é uma espécie de premonição, com tantas histórias passadas em Marte, com tantos cenários apocalípticos e com tantas censuras e restrições ao pensamento e à leitura. De tal modo assim é, que ficamos na dúvida quanto à data da sua publicação.
O autor de “Fahrenheit 451” e de “Crónicas marcianas” vai remetendo alguns episódios de “O homem ilustrado” para essas obras, em que a ideia dos livros a banir perpassa uma série de capítulos.
Também a fuga e a busca por planetas alternativos são uma constante, daí que nos interroguemos acerca da intensidade e amplitude de tal criatividade, se é que se pode dizer isto. Como se o autor tivesse escutado vozes e as tivesse transcrito… Quem sabe seja mesmo o caso.
Na verdade, o autor não está sozinho, convoca outros tantos génios e/ou “hereges”, como Huxley, Orwell, Dickens e até Hitchcock para nos demonstrar que estamos a perder hábitos de leitura. Pior do que isso, o autor como que nos alerta para o perigo de “vida” dessas obras que são consideradas, tal como em “Fahrenheit 451”, obstáculos ao bom funcionamento e ordem da “paz” social.
Não obstante, é a guerra, a escassez, o caos e a ausência de “humanidade” que pintam um cenário num futuro que, infelizmente, parece mais próximo e real do que o género de ficção científica, no qual este livro se integra.
Original de 1951, nesta obra, agora, reeditada pela Cavalo de Ferro, Ray Bradbury recorre ao artifício de um homem todo tatuado para nos contar uma série de pequenas narrativas, que só na aparência o são.
Até nisso o escritor foi audaz, uma vez que, no fundo, o conjunto se pode compreender como uma grande narrativa – a da fuga da humanidade de si própria…
Para quem se quer distanciar das teorias da conspiração fica a questão: qual o propósito desta reedição? Preparar-nos para um futuro (quase presente) ou provocar-nos e incitar-nos para que revisitemos a História?
Bom, está visto que a Humanidade não consegue aprender com o passado, pois os tempos em que vivemos só nos demonstram que somos cada vez mais idiotas – e quando dizemos idiotas é mesmo isso, imbecis. Só tanta imbecilidade e falta de reflexão justifica a hipótese de se prolongar uma guerra como a que está a decorrer (mesmo que haja uns poucos a lucrar com isso), e de se acreditar que há vida em Marte e que vamos ser muito mais felizes lá, depois de destruirmos o que cada vez menos resta da Terra.
Se o leitor está a fechar o dispositivo ou a clicar para mudar de página depois de tanto pessimismo, fica o desafio: leia “O homem ilustrado” e descubra as diferenças de mentalidades, desejos e esperanças (vãs) de alguns dos personagens.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.