“A Arca” – Sugestão de leitura

A norte-americana Monica Wood já recebeu vários prémios, entre os quais pela sua contribuição para as humanidades e artes literárias: o Maine Writers & Publishers Alliance Distinguished Achievement Award (2018) e o Maine Humanities Council Carlson Prize (2019), respectivamente.

Das suas muitas obras – apenas uma tinha sido antes publicada em Portugal, “Um rapaz muito especial” (2016), pela TopSeller –, esta é a sua favorita, de tal modo que se rendeu à republicação do original de 2002, com a integração de mais um capítulo em 2020: Não chores bebé, que constitui uma das nove histórias brilhantemente entretecidas desta edição melhorada.

O pano de fundo deste romance é uma greve laboral de vários meses numa fábrica de papel da localidade de Abbout Falls, no Estado do Maine.

Ao longo de 200 páginas, escutamos várias vozes sobre a greve, e outras histórias e vidas, todas interligadas de uma ou outra forma. Em cada personagem, a sua história, com maior ou menor (ou pouco) ênfase na greve, mas quase todas com alguma repercussão na sua vida decorrente dessa greve na fábrica de papel.

O ponto de partida é a construção de uma arca como um projecto de arte, cujo objectivo é dar mais vida a uma vida que está no fim e mais sentido a outra que perde o seu propósito.

Em cada capítulo, um sofrimento, uma mágoa distinta, uma tentativa para encontrar uma qualquer espécie de felicidade, de preferência com o sentimento de se ser útil ou, pelo menos, importante para alguém. Várias são as histórias de vida de trabalho sem salários, casamento, divórcios, fugas e ausências.

Este é, assim, um romance que convida à reflexão sobre os laços familiares que se perderam, que se querem recuperar, ou sem esperança de serem reatados. O termo de comparação para algumas personagens é o casamento dos progenitores, sendo esta filiação uma rede sem chão, sem o apoio que se esperaria dos pais.

Em cada personagem, em cada vida, uma perspectiva sobre o acontecimento que perpassa as vidas de todos: a greve na fábrica que é a vida de quase todos os residentes de Abbout Falls, no Maine.

O romance trata sobre as condições de trabalho, o papel dos sindicatos, o trabalho enquanto condição (nem sempre) humana e a família. Uma outra versão de uma pastoral americana, sem o esplendor do sonho que deixou há muito de ser concretizado pela maioria.

Além dos valores da família e do trabalho, o da solidariedade, que, a propósito da greve, se percebe que afinal “não é um chão, é uma escada. E as pessoas acabam em degraus diferentes”.

Sem dúvida, uma leitura a não perder, para quem aprecia uma escrita envolvente e cativante sobre as vidas de personagens (quase) reais, com receios e angústias autênticos, em que o leitor se sentirá impelido a continuar até chegar à última página. 

Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.

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