“Como escrever” – Sugestão de leitura

Miguel Esteves Cardoso (MEC) é um autor que quase todos os portugueses conhecem, quando mais não seja da televisão e das crónicas quase diárias do jornal Público. Por isso, começo já a falar sobre este Como Escrever, um livro que se debruça sobre essa prática exclusiva humana. Provavelmente, é essa escrita que nos permitiu ser humanos.

A primeira vez que vi o livro, fiquei na livraria a lê-lo em pé, durante o tempo que esperava pela pessoa que acompanhava, torcendo para que se demorasse o mais possível. Queria prosseguir na leitura. O livro correspondia ao título de um outro, As primeiras cinco páginas, de Noah Lukeman. Estava agarrada, mas hesitava. Ainda há pouco lera On writing, de Stephen King e Romancista como vocação, de Haruki Murakami (recensão a partilhar em breve). Ambos confirmaram o que é sobejamente conhecido: para escrever é preciso escrever, escrever, escrever e escrever.

São muitos os livros com técnicas de escrita criativa e afins nas prateleiras cá de casa: um dos motivos por que não comprei o livro que me estava a impelir a continuar a ler sobre como escrever. Claro que para um escritor em progresso, ou para quem tem pretensões a escrever não basta ler e saber como escrever. É preciso escrever. Nada de novo. Não comprei.

Mas, duas semanas depois recebi o telefonema de uma amiga, chamemos-lhe cúmplice da leitura, para usar a expressão de MEC, e companheira de viagem pela escrita, a AI: “Já leste o livro do MEC? É delicioso…” Prosseguiu mais ou menos neste registo. Nessa tarde ia à Feira do Livro. “Convenceste-me!” Como todas as pessoas que se intitulam ávidas leitoras (ou outros predicados semelhantes), só há uma desculpa para não comprar mais livros, não gastar mais dinheiro em livros.

Comprei. Num outro stand da Feira do Livro, o alfarrabista de serviço viu-me com o livro e desdenhou. Que não havia nada de especial, que o título do livro deveria ser diferente, como por exemplo, Como eu escrevo, uma vez que era muito pessoal. Nem sequer era sobre o processo de escrita propriamente dito, como é o caso do de Stephen King, ou com técnicas de escrita, como este (para mim, claro) extraordinário Criative-se – Curso Completo de Escrita Criativa, de Pedro Sena-Lino. Não, o senhor alfarrabista, que muito apreciava escutar MEC, ficara desiludo com o tom pessoal deste Como escrever, publicado recentemente pela Bertrand Editora.

Bom, para quem estivera hesitante, perceber que afinal acabara de fazer uma compra medíocre, não fora propriamente a conversa mais encantadora. Guardei, mas não me deixei impressionar. Todavia, a AI é uma leitora em quem confio, uma cúmplice, vá.

Comecei a ler nessa mesma noite. E não consegui parar. Sublinhei, copiei excertos e escrevi nas margens. MEC selecionou uma qualidade de papel, cuja gramagem permite escrevinhar e sublinhar a bel-prazer. Mais do que isso, tem super-margens para que os leitores que gostam de marcar os livros o façam de consciência tranquila. Além disso, com um conselho muito útil de MEC: façam-no com letra legível. O mesmo se aplica à escrita. Escrever com letra que possamos entender quando tivermos mais dez anos. Parece óbvio, mas quem, como eu, escreve à mão, sabe muito bem que é bom ter esse lembrete.

Sim, é pessoal, mas mais do que um manual – que não o é –, Como escrever é um apelo de MEC a que todos nós nos sentemos a escrever sobre nós próprios, não apenas porque é sobre nós que mais sabemos, sobretudo, por ser a escrever que nos ficamos a conhecer melhor.

Com efeito, para mim, este é o maior motivo para se ler este livro. Se estou aqui, neste momento é por ter imensa vontade de escrever sobre a minha leitura. E aqui ficaria por muitas mais linhas, mas creio que por ora o importante é, realmente, enaltecer MEC pela forma como me impeliu a escrever mais, e sem freios, e sem pudor sobre o que me apetece.

Depois logo se vê o que fazer com o que resultar dessa escrita desenfreada. O que importa é escrever, o como e para quem é secundário. Porque escrever é libertador. É a possibilidade, muito esquecida, de falar sem ser interrompido e de dizer ao outro tudo o que não temos coragem de lhe dizer na cara. Melhor ainda, podemos editar o que dizemos e, depois, enviar uma carta sem erros de interpretação, tão-só dissemos exactamente o que queríamos ter dito.

Só por isso vale a pena ler, rabiscar e comentar este Como escrever de MEC, a quem aproveito a oportunidade para agradecer a generosidade de partilhar o que lhe apeteceu escrever sobre como escrever.

Esta recensão foi publicado no Jornal Página Um.

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