Sándor Márai nasceu em 1900, em Kassa, então parte do Reino da Hungria (actualmente Košice, na Eslováquia), sendo considerado um dos grandes escritores húngaros do século XX. Desde cedo terá demonstrado o seu talento para a escrita, tendo publicado, ainda na adolescência, os seus primeiros poemas e contos em revistas locais. Em 1920, mudou-se para a capital da Hungria, Budapeste, onde trabalhou como jornalista e crítico literário.
A sua obra, diversa e vasta, é constituída por romances, contos, peças de teatro e ensaios, sendo reconhecida pela profundidade psicológica – ainda que ignorada e mesmo banida na Hungria, dada a sua crítica ao regime comunista do país. O descontentamento de Sándor Márai com o regime político levou-o a sair do país.
Viveu algum tempo em Palermo, Itália, onde terá escrito algumas das suas obras mais conhecidas, como por exemplo, “As Velas ardem até ao fim”, publicado pela Dom Quixote, tal como este “Libertação”. Posteriormente, mudou-se para os Estados Unidos, onde se suicidou, em 1989. Só então Márai voltou a ser aclamado como um dos grandes escritores húngaros de todos os tempos. Em 1990, foi-lhe concedido, postumamente, o Prémio Kossuth.
Em “Libertação”, Sándor Márai conta a história de Erzsébet, uma jovem estudante húngara, que luta pela sobrevivência durante o cerco de Budapeste, no fim da Segunda Guerra Mundial. A sua experiência é um testemunho fascinante, porque intenso, e arrepiante, porque verdadeiro, sobre o período que marca o fim da ocupação de Budapeste pelos nazis e a chegada das tropas soviéticas – a salvação?
Sem muitas informações sobre a personagem principal e o seu pai, um cientista perseguido, e o seu namorado foragido, o cenário é lúgubre – como teria de ser uma cave fétida onde estão escondidas, talvez, centenas de outras pessoas perseguidas.
“Talvez”, pela ambivalência referida. Como é a vida dos que fugiram com uma mala e perderam quase tudo e todos, inclusivamente a sua dignidade, para se protegerem das explosões, da destruição provocada pelos combates, do genocídio dos judeus? É uma espera, inflamada pela leve esperança de sobreviver, numa co-“habitação” frágil e que fragiliza, num espaço subterrâneo sem mais nada que tantos outros também à espera da libertação – serão, os soviéticos, os salvadores?
A sua chegada é aguardada sem saber-se quem são afinal, se amigos ou inimigos. A incerteza que corrói e pode apagar o que resta de humanidade de quem perdeu tudo e todos.
A entrada do primeiro soldado russo na cave é intensa, como todo o romance. O realismo verosímil torna o leitor activo na leitura. É obrigado a refletir sobre os dilemas morais com os quais a humanidade continua a deparar-se: o que é a guerra? O que acontece depois da guerra?
Dizemos, antes, que outras guerras, numa forma contínua de destruição da humanidade, do planeta – enfim, uma autofagia que, para o comum dos mortais, continua, também, incompreensível. Até deixar de o ser porque certamente deixaremos de existir.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página1.