Maria Angelita Ressa é uma jornalista filipino-americana, que nasceu em Manila, em 1963. Quando tinha dez anos, foi viver para os Estados Unidos com a sua família, depois de declarada a lei marcial nas Filipinas. Frequentou a Universidade de Princeton, onde se licenciou em Inglês com um certificado em teatro e dança.
Depois de se formar, em 1986, regressou às Filipinas com uma bolsa Fulbright para estudar em Manila, onde iniciou a sua carreira de jornalista.
Em 2012, Maria Ressa fundou e lançou o sítio Web Rappler, que rapidamente cresceu, tornando-se uma das maiores fontes de notícias das Filipinas. Esta empresa de comunicação social digital de jornalismo de investigação ficou internacionalmente conhecida por descrever, minuciosamente, o modo como as redes sociais se tornaram numa arma usada pelo poder dominante, bem como por expor o modus operandi corrupto do governo liderado por Duterte e o seu sucessor, igualmente corrupto, Ferdinand Marcos Jr., filho do ex-presidente com o mesmo nome – conhecido por ter fugido de helicóptero, depois de ter feito o maior desfalque, alguma vez conhecido, a um Estado-Nação.
Como refere o comité Nobel, os seus “esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura”, foram reconhecidos ao mais alto nível, tendo-lhe sido atribuído o Prémio Nobel da Paz, em 2021, em conjunto com o jornalista russo, Dmitry Muratov.
A obra publicada pela Ideias de Ler, “Como fazer frente a um ditador – A luta pelo nosso futuro”, é um relato dos anos de luta pela liberdade de imprensa, num país onde o uso da violência física, digital e até judicial estão ao serviço de governos ditatoriais e crescentemente autoritários.
Com prefácio da israelita Amal Clooney, reconhecida advogada dos direitos humanos e co-fundadora da Fundação Clooney, o livro está dividido em três partes. Num discurso na primeira pessoa, Maria Ressa narra o seu percurso de vida, desde a escola primária, expondo os seus princípios e códigos de conduta e de honra, iniciando com a sua regra de ouro. Aquela que lhe permitiu, desde sempre, discernir o que seria correto ou errado em qualquer situação na sua vida.
A missão do jornalismo está, igualmente, explicada, sendo, aliás, o motor para a criação de um sítio de notícias distinto de muitos outros, o Rappler, no sentido em que são os jornalistas (de investigação) que decidem o que noticiar e não os patrocinadores ou os governantes.
A segunda parte é sobre o modo como o poder político usa as redes sociais para a desinformação, por intermédio de contas falsas e sobre a criação, divulgação e propagação de notícias falsas e, consequentemente, para a destruição das democracias – a “infodemia”, como designa a jornalista.
O poder político é o de Duterte que, logo após assumir o cargo, controlou e gerou desequilíbrios nos três ramos da governação. O colapso aconteceu por meio de “um sistema de clientelismo, lealdade cega” e aquilo a que a autora denomina de “três C’s: corromper, coagir e cooptar. Se alguém recusasse o que o governo desejava ou oferecia (…) era atacado” (p. 184).
Paralelamente, Maria Ressa desenvolve uma explicação detalhada sobre o funcionamento dos algoritmos e de como o Facebook tem contribuído para a propagação do fascismo e desmoronamento das democracias.
Na terceira parte, a jornalista narra todo o processo de difamação contra si e contra o Rappler e os esforços de toda a equipa para se manter firme e sobreviver “à morte por mil cortes”, num contexto de novos e mutantes ecossistemas de informação.
Ao mesmo tempo, a jornalista relata o crescente empobrecimento de um país que não é o único a sofrer com a corrupção alimentada pela desinformação. Motivos mais do que suficientes para chamar todos os jornalistas e agentes de mudança para agir em comunidades e em colaboração além-fronteiras.
Uma das pessoas com quem Maria Ressa trabalhou é a investigadora Shoshana Zuboff, cuja obra sobre o capitalismo de vigilância é um recurso teórico que ajuda a compreender o caso prático das Filipinas.
Ainda que não seja sobre a “A era do capitalismo da vigilância” que aqui se trata, esta obra, além de referenciada e usada por Maria Ressa, é indispensável para compreender todo o processo de extração de dados a que todos os que usam a Internet estão sujeitos. Sendo certo que o Facebook e o Google estão na primeira linha de extração e controlo de dados, bem como na disseminação da desinformação.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.