“O perigo de estar no meu perfeito juízo” – Sugestão de leitura

Com uma obra traduzida em mais de 20 línguas, Rosa Montero é uma reconhecida autora espanhola, natural de Madrid, onde nasceu em 1951. Aos 73 anos de idade, a autora, jornalista de formação e profissão, ainda trabalha com o El País; algo que faz desde 1976, onde foi chefe de redacção do suplemento de Domingo, entre 1980 e 1981.

Em 1978 ganhou o primeiro prémio de jornalismo, o Prémio Mundo de Entrevistas – área em que se especializou. Outros tem ganhado como jornalista, mas também como escritora. Em 2017, por exemplo, foi galardoada com o Prémio Nacional das Letras, tendo sido, em 1979, que começou a viver o seu sonho de escrever ficção – “Cronica del desamor”, é o seu primeiro romance.

Em 2022, foi galardoada com a Medalha de Ouro de Mérito em Belas Artes e com o Prémio Especial dos Prémios “El Ojo Crítico”, da XXXIII RNE. Em Espanha, “O perigo de estar no meu perfeito juízo” foi considerado o Melhor Livro de Não-Ficção pelo Sindicato dos Livreiros.

Nesta obra, agora publicada, em Portugal, pela Porto Editora, a dimensão jornalística está muito presente, estando este ensaio muito próximo do livro de divulgação científica. Para os admiradores de Rosa Montero, que ainda não conhecem a sua vertente jornalística, pode ser uma agradável surpresa perceber como a sua escrita é tão cativante e envolvente como nos seus romances.

“A louca da casa”, publicado há vinte anos, é facilmente reconhecível, estando, até, omnipresente ao longo deste livro autobiográfico. Além desse quase intertexto com “A louca da casa”, Rosa Montero demonstra a sua capacidade de pesquisa e de síntese no tema principal do livro: a presença de distúrbios mentais, entre muitos artistas e escritores, e de como esses desequilíbrios podem ser essenciais para as obras que aqueles e outros autores conceberam e publicaram, ou por eles foram publicadas post mortem.

A autora retirou-se três anos para estudar psicologia e para investigar o que outros escritores considerados doidos, alcoólicos ou dependentes de outras drogas sofreram por serem estranhamente anormais, ou pior, loucos, ao ponto de serem internados, como é o caso Sylvia Plath.

A história desta poetisa é uma das biografias que Rosa Montero reconstrói para nos dar conta de como o sofrimento é um sentimento permanente, do qual se pode sair, ou pelo menos suspender, por intermédio da escrita. A escrita é uma não escolha. É a salvação de quem tem inúmeras vozes que dialogam nas cabeças, como as de muitos escritores – motivo pelo qual têm de necessidade de escrever.

A tese de Rosa Montero é a de que a criatividade também é fruto da excentricidade, do facto de se sentir inadequada – como descreveu, também, em “A louca da casa”. Reconhecer essa extravagância e dar espaço e voz às alucinações é reconhecer a matéria-prima para escrever ou construir a obra.

Neste exercício e ensaio, Rosa Montero, que “sempre soube que na minha cabeça alguma coisa não funcionava muito bem”, prova a si própria que está tudo bem em ser vulnerável, diferente e ter sentimentos suicidas – que, no seu caso, ainda bem que não os concretizou.

Mas, como Rosa afirma, “a lista é arrasadora”: Cesare Pavese, Gérard de Nerval, Jack London, Maiakovski, Anne Sexton, Mishima, Walter Benjamim, Alejandra Pizarnik, Hemingway, David Foster Wallace, Gilles Deleuze, são alguns dos que a autora refere na página 180.

Como em muitos romances, existem várias histórias secundárias e/ou paralelas. Uma é a de uma impostora que usurpou a identidade de Rosa Montero. Este é, aliás, um dos temas do livro. A ideia de que muitos artistas e escritores se sentem impostores na sua escrita, de que não suficientemente bons e que quando fazem e/ou escrevem algo extraordinário, não terão sido eles ou terão sido bafejados pela sorte.

Em relação a essa história paralela, a autora vai-nos dando a conhecer pormenores, sórdidos até, que nos provocam curiosidade, desejando saber mais e como e se terminou essa usurpação, bizarra e assustadora, da sua identidade por parte de outra mulher.

Há um zumbido que sai do interior da obra e que ecoa no local mais profundo da nossa mente. O zumbido do mundo. Há uma pulsação essencial, um ritmo embriagador. É só preciso aprender a deixar-nos levar. A não ter medo de perder o contacto com o chão. Escrever é dançar, e a música foi-me levando, com quem desenha passos no ar, até chegar a estas linhas que escrevo agora” (pp. 200-201).

Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.

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