Bem-vindo, Outono!
É com profunda gratidão que me detenho a contemplar a passagem das estações. Este sentimento envolve-me com frequência e, no que respeita às quatro estações, acontece sempre que se nota a respectiva transmudação. Desde logo, por viver num local onde as quatro estações (ainda!) são facilmente perceptíveis.
Não é necessário ser a pessoa mais atenta para reparar na diminuição crescente dos dias ou no acentuado arrefecimento nocturno – cada vez mais acentuado e cada vez mais arrefecido. Assim como não é difícil observar o solo coberto de folhas secas, ora mais amareladas, ora mais acastanhadas até ao tom mais avermelhado – que nos lembra o porquê de ser a estação das cores quentes –, como acontece com as folhas dos plátanos que povoam as cidades do Porto e de Matosinhos.
Como ficar indiferente à mudança de tonalidades das copas das árvores que, lentamente, se vão despojando das suas folhas?
Como ficar indiferente à neblina matinal, cuja camada espessa cobrindo os lagos do Parque da Cidade (do Porto) me dá a sensação de estar num local misterioso?
Como ficar indiferente à distinta posição do Sol quando se despede diariamente?… cada vez mais cedo. Ainda há umas semanas podíamos ler sem luz artificial até às nove da noite…
Como ficar indiferente ao nascer do Sol, cada vez mais tardio? Nas últimas semanas tenho despertado com a Lua no céu… índigo.
E como ficar indiferente ao facto de ser possível percepcionar estas transformações num país no qual, ainda (reforço), se distinguem as quatros estações?
E, mais ainda, como ficar indiferente ao facto de me ser possível observar, sentir, cheirar, escutar os elementos da Natureza?
Não é um pormenor ver, escutar, sentir, cheirar e até degustar os frutos da estação. As laranjas voltam a ser muito saborosas. Os marmelos já estão quase em formato marmelada e geleia (adoro!) e as castanhas começam a pintar os castanheiros.
Ah…
E, quando Outubro chegar, tudo isto será ainda mais exuberante… até o frio!
Pode ser que haja tarefas, afazeres, actividades, ocupações, trabalhos, etc., muito mais relevantes do que a ‘mera’ contemplação. Pelo menos é esse o lema das nossas sociedades híper produtivas: “Seja produtivo!” Sociedades em que o trabalho (ainda) é a condição humana, como defendia Hannah Arendt.
Mas não será a contemplação uma dimensão humana tão importante quanto o trabalho? Mais um pormenor, enaltecendo a Arquitectura (e também a Paisagista) – celebrada mundialmente na primeira segunda-feira de Outubro – que se repercute em espaços como o Parque da Cidade do Porto: este parque terá sido projectado por Sidónio Pardal, com o objectivo de que este fosse um espaço, sobretudo, contemplativo. Os bancos de jardim, estrategicamente posicionados, em frente aos diversos lagos são disso exemplo.
Contemplar é um verbo – logo, implica acção. Só na aparência a contemplação é passiva. Com efeito, estar de forma consciente em contemplação, a contemplar, contemplando, é uma decisão. É escolher admirar e reconhecer a beleza que nos rodeia, que nos envolve… e que (ainda) nos está disponível.
Contemplar, para mim, é reconhecer que essa beleza e harmonia da Natureza (por exemplo) não é um dado adquirido e que, só na aparência, acontece por acaso… Acontece. É! Também para nos lembrar que a vida não é garantida, que a sua precariedade é tão ou mais palpável que a morte. E que, assim sendo, é primordial contemplar cada instante, cada gesto, cada som, cada cheiro, cada cor, cada sabor, cada folha avermelhada que cada plátano nos oferece, só porque sim… aparentemente.
Bem-vindo/a (ao) Outono!
*Este texto foi publicado aqui, no dia 2 de Outubro, de 2017 (onde escrevia sem o AO de 1990).