Jonathan Coe nasceu em 1961, nos subúrbios de Birmingham. A sua primeira história conhecida foi escrita aos oito anos de idade: essas primeiras páginas surgem no seu quarto romance, “What a Carve Up!” – aquele que o faria chegar a um público mais vasto e internacional: foi traduzido para 16 línguas.
Com vários livros publicados, a sua obra já recebeu diversos prémios e distinções, incluindo o Prémio Literário Costa e oPrix du Livre Européen, com o livro “O coração de Inglaterra”; em França ganhou o Prix Médicis, pelo livro “A Casa do Sono”, tendo sido nomeado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. Em Itália ganhou o Prémio Flaiano e o Prémio Bauer-Ca’ Foscari.
Razões de sobra para ser considerado um dos autores contemporâneos mais aclamados, criando-se, também por isso, algumas expectativas quando se começa a leitura do romance, “O Sr. Wilder & Eu”. E não serão, certamente, goradas.
O romance começa com as memórias de Calista Frangopoulos, uma compositora grega de bandas sonoras, que, aos 57 anos, vive uma crise familiar e profissional, que a faz regressar ao passado, dando-nos, assim, a conhecer o grande realizador Billy Wilder.
As suas recordações transportam-na para uma viagem no início da sua juventude, nos Estados Unidos, durante a qual conhece outra jovem, cujo pai é amigo de longa data de Billy Wilder. O mote para um jantar com o realizador e o seu companheiro de sempre, I.A.L. Diamond, e as respetivas mulheres.
O glamour do cinema de Hollywood entra, assim, por acaso na vida da jovem grega, que, passado algum tempo, é contactada por Diamond para ser integrada, como intérprete, na equipa das filmagens de “Os Segredos de Fedora”, numa ilha grega.
Curiosamente, a entrada da jovem Calista, na sétima arte, coincide com a tomada de consciência do fim de carreira de Billy Wilder. Na verdade, o filme em realização é, precisamente, uma metáfora a este crepúsculo, recorrendo a um dos géneros do próprio Wilder, ou seja, a cenas cómicas, como que para tornar a velhice mais leve.
Através dos olhos de uma jovem deslumbrada, somos encaminhados para a intimidade do processo de realização; mais do que isso, para a intimidade de um dos realizadores mais proeminentes de Hollywood. “Escutamos” as histórias de vida de Wilder, contadas pelo próprio, denotando-se uma nostalgia do passado enquanto forma de adiar o inevitável.
A busca incessante de Wilder pela sua família, que terá sido incinerada viva nos campos de concentração nazis – uma das cenas mais fortes do livro é mesmo a descrição de Wilder em forma de argumento, aquando da sua viagem de regresso à Europa, para realizar um documentário sobre os campos de concentração.
Esta história memorável é a resposta a uma das personagens que pretende negar que tenham morrido assim tantos judeus – a negação do holocausto que viria dar origem ao termo “negacionista”, actualmente tão em voga.
O romance interliga várias histórias. A de Calista, que além de encantada com o cinema, vive o seu primeiro amor – e, de imediato, a sua desilusão: a vida ela própria, sem a encenação que o cinema e outros meios constroem à volta do amor.
A da amizade de Calista com Wilder e Diamond, numa celebração à amizade intergeracional e reconhecimento da experiência e sabedoria dos mais velhos. Estes, a quem o envelhecimento faz relegar o estatuto de melhores do panorama de Hollywood para o declínio e esquecimento.
Como lidar com o envelhecimento e com a percepção de que mais cedo do que mais tarde se será substituído pelos mais jovens: pelos barbudos, entre os quais Steven Spielberg que, neste enredo, acaba de facturar milhões de dólares com a estreia d’”O tubarão”.
O romance é, também por isso, uma ode ao cinema enquanto Arte – ultrapassando a experiência de entretenimento. Essa é, aliás, uma das questões que perpassa toda a obra – revelando-se, em alguns momentos, uma nuance de ensaio sobre o fim do cinema clássico de Hollywood e sobre o papel do cinema enquanto arte interventiva.
Ler este romance impele o leitor a revisitar a obra de Billy Wilder – como não encontrei “Os segredos de Fedora” (o filme a ser dirigido neste romance), assisti à comédia “Beija-me, estúpido”. Isto para dizer que as únicas interrupções justificadas são essas, as de relembrar os filmes e os actores em cena neste romance, que está próximo da classificação de obra-prima.
Talvez falhe pelo modo como o autor resolve uma ou outra situação da personagem Calista Frangopoulos, cujo dilema da vida pessoal é claramente um pretexto, nem sempre bem conseguido, para nos enlevar com gentileza pela história de um dos realizadores mais extraordinários da sua época, Billy Wilder.
Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.