“Como Poeira ao Vento” – Sugestão de leitura

Cubano de Havana, nascido em 1955, Leonardo Padura, além de escritor, tem trabalhado como guionista e jornalista. O detective Mário Conde é uma personagem sobejamente conhecida dos seus romances policiais, que, além de estarem traduzidos para muitas línguas, são vencedores de importantes prémios literários, como o Prémio Café Gijón 1995, o Prémio Hammett em 1997, 1998 e 2005, o Prémio do Livro Insular 2000, em França, ou o Brigada 21 para o melhor romance do ano.  

Em 1993, Leonardo Padura recebeu o Prémio Nacional de Romance em Cuba, e em 2012 arrecadou o Prémio Nacional de Literatura pelo conjunto da sua obra. Em 2015 foi ainda galardoado com o Prémio Princesa das Astúrias das Letras.

Em Portugal, podemos encontrar vários livros deste autor, entre os quais O Homem que gostava de cãesHeregesA transparência do tempoQuarteto de Havana I e Quarteto de Havana II, editados pela Porto Editora, que agora nos traz este Como poeira ao vento.

Este é um daqueles livros que nos causa várias emoções e sensações. Desde logo, uma certa hesitação em avançar rapidamente na leitura. É que a urgência em prosseguir para conhecer e apreender mais acerca das personagens, e das ligações que as envolvem, não é compatível com a densidade e profundidade do enredo.

Ler devagar é quase uma imposição para, desse modo, atentarmos e guardarmos cada pormenor dos contextos, das épocas, das personagens, das diferentes vidas que se cruzam e teias que se entrelaçam.

O equilíbrio é o que nos ajuda a avançar, com moderação, e assim desfrutar das mais de 600 páginas com que Padura nos presenteia, neste romance épico – creio que este adjetivo tão na moda se adequa a este romance cuidadosamente escrito.

Sim, cuidado é um termo que se aplica na perfeição: somos encaminhados ao longo de várias décadas da História de Cuba por meio de personagens construídas de forma detalhada e escrupulosa, baseadas em pessoas, locais e situações reais – também, por isso, tão intenso.

Contrariamente ao título, esta obra permanecerá e reverberará em cada leitor que seja apaixonado por Cuba, pela sua História, pelas suas geografias (afinal, os cubanos alargaram as suas fronteiras) e, sobretudo, pelas suas gentes, ora mais conformadas, ora mais inconformadas, ora mais inquietas, ora mais revoltadas com tudo o que aconteceu desde o embargo dos Estados Unidos, em particular, durante o ‘Período Especial em Tempos de Paz’, ocorrido entre 1989 e metade da década de 1990.

Uma época de restrições, de todo o tipo de restrições, em que até o livro ‘1984’, de George Orwell, é invocado. Não sem uma certa ambivalência, uma vez que para a maioria dos cubanos, de entre os quais, algumas das personagens, era inconcebível que o Estado fosse tão longe no seu regime totalitário e controlador.

É, então, a história de um grupo de jovens – o Clã – que cresce em conjunto, desde a juventude até ao derradeiro desaparecimento de vários elementos. Jovens apaixonados pela vida, cuja evolução e prática profissional se torna cada vez mais difícil em face de tantos obstáculos e de tantas limitações. A busca pelo exílio, seja de forma legal, seja como fuga à incerteza, seja ainda pela infeliz constatação de que a liberdade para se ser é só uma palavra.

O livro descreve de dentro, mas com um olhar limpo, sem ressentimento e quase factual, o sofrimento vívido de quem perde, um a um, os seus referentes mais íntimos.

Em 2014, dois jovens de origem cubana apaixonam-se. Adela e Marcos conhecem-se em Miami sem saberem que as suas origens são as mesmas e que as suas mães haviam sido amigas íntimas, Elisa e Clara, respetivamente – as mulheres do Clã.

Clara, a matriarca que segura e mantém o grupo, uma das personagens que nos comove pela resistência, pela força e pela coragem – aquela que não se rende; a última a deixar Cuba.

Elisa, a british, filha de um diplomata que viveu em Inglaterra até ao fim da adolescência. Diferente, vivida, com uma visão mais ampla do mundo, além de Cuba. Algo que fascinava os amigos e a tornava quase idolatrada, não fora as suas atitudes a roçar a manipulação e “quase” mentiras.

Darío, o primeiro a partir, deixa para trás a mulher (Clara) e dois filhos, com o intuito de prosseguir a sua carreira de médico e académico em Espanha, sem a limitação de um salário de três dólares. 

Irving, o homossexual que vive no medo e que com medo não vive. Depois de torturado pela polícia durante vários dias, foge para Espanha, onde mais tarde se juntará o seu companheiro, Joel.

Estas e outras personagens com vidas únicas e interligadas são ingredientes que nos mantêm e nos retêm em cada página folheada, numa escrita encantatória, que nos recorda Gabriel Garcia Márquez e que faz antever a atribuição do Prémio Nobel da Literatura.

Destaco, por fim, um excerto (página 103):

A clausura física e mental de que sofriam, sem terem consciência até que ponto sofriam (exceto Elisa, a british), fazia-os ver o mundo exterior como um mapa de duas cores antagónicas: países socialistas (bons) e países capitalistas (maus). Nos países socialistas (para onde se podia viajar) construía-se arduamente o futuro perfeito (…) de igualde e justa democracia da ditadura proletária, atribuída à vanguarda política do Partido na fase de construção do comunismo, com cuja chegada se atingiria o apogeu da História, o mundo feliz”.

Esta recensão foi publicada no Jornal Página 1.

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