Encontrei um texto, no qual a autora, Sophie Brissaud, se reporta ao ofício de revisor quase como uma missão.
Uma missão – é assim que o entendo. É mais forte do que eu. Como uma necessidade imperiosa de (re)colocar o acento na sílaba tónica. De apagar a vírgula, tantas vezes um estorvo entre o sujeito e o predicado. De encontrar e inserir o sinónimo mais adequado para aquela palavra que teima em repetir-se. De substituir o à ou á pelo há de existir…
Aqui vos deixo a tradução livre de um excerto do artigo “La lecture angoissée ou la mort du correcteur”, que, na minha opinião, demonstra o sentido de missão e de entrega que os revisores devotam aos textos que lhes chegam às mãos (e aqueles que se escancaram à sua frente):
A definição de revisor ultrapassa o seu eventual conhecimento, está, antes, relacionada com o seu perfil psicológico. A revisão é mais do que uma profissão: é uma neurose.
Caracteriza-se por ser uma espécie de sacrifício (desejado, até) concedido pelo revisor em prol da ‘saúde’, da qualidade, do texto a publicar.
O revisor oferece-se, assim, em sacrifício, de forma constante à deusa da língua portuguesa*. Depois de aceitar este ofício, o revisor deixa de ser uma pessoa normal. A sua vida passa a acontecer num mundo partilhado com os cantoneiros, o pessoal da limpeza (que, na generalidade, são mais apreciados que ele próprio) e os ‘intocáveis’ [no sentido da casta].
Para o revisor, o mais importante não é o que sabe, mas o que não sabe. Relevante é o facto de que ele está consciente do que não sabe, ou do que não domina totalmente. E, como tal, verifica tudo permanentemente, está sempre a conferir, a examinar, a indagar…
O revisor não lê como as outras pessoas. Ele tira uma fotografia visual da palavra e identifica uma gralha, um erro, quando o seu cérebro lhe diz quase subliminarmente: “alguma coisa está errada”.
O revisor não lê como as outras pessoas. O seu trabalho pode ser descrito, com toda a razão, como uma ‘leitura angustiada’. O seu trabalho é, precisamente esse, o de poupar o resto da humanidade dessa ‘leitura angustiada’.
O revisor não lê como as outras pessoas. Ele vive para que os outros se sintam menos culpados.
* Língua francesa no texto original.
Tradução livre de fragmentos do texto: “La lecture angoissée ou la mort du correcteur”, de Sophie Brissaud (1998).